O RPG, como jogo
de contar histórias e interpretar papeis é uma atividade que pode ser
conduzida, dadas as devidas adaptações, com grupos de virtualmente qualquer
idade. Quando lidamos com crianças, no entanto, é importante que saibamos transmitir
esse universo, histórias e personagens respeitando a capacidade cognitiva das
mesmas, e também seus interesses.
Pais que desejem
conduzir essa experiência com seus filhos (ou mesmo sobrinhos, netos...) terão
no RPG uma forma preciosa de passar tempo de qualidade com suas crianças,
desenvolver vínculos, criar memórias e se divertir. Mais do que isso, terá uma
oportunidade de ensinar lições de vida sobre valores como amizade, lealdade,
causa e consequência, altruísmo e a importância do esforço conjunto para se
conseguir algo. Em próximos pergaminhos, conversaremos sobre como o RPG pode
ser usado para trabalhar valores morais, como criar uma ambientação adequada e
como lidar com a questão da violência. Mas neste primeiro momento, acho
importante destacar cinco pontos importantes, que devemos ter em mente antes
de começar essa jornada com nossos pequenos:
1) QUEM ESTÁ
BRINCANDO COM QUEM: Devemos nos lembrar que nós estamos brincando com as
crianças, e não elas brincando conosco. Em outras palavras, não estamos jogando
com nossos filhos para matar nossa saudade do RPG ou reviver os “velhos tempos”.
Estamos fazendo isso para passar mais tempo com elas, nos divertirmos juntos e
ensinarmos valores importantes.
2) USO DE
TECNOLOGIA: As crianças de hoje são expostas desde muito cedo à tecnologia,
celulares e aparelhos afim. Elas estão familiarizadas com essa realidade, mas
ela não é, de modo algum, positiva para elas. Dessa forma, use o máximo de “papel”
possível. Imprima imagens, cenários, ilustrações de personagem e o que mais
achar interessante. Mas não utilize telas. Será uma “vitória adicional” se esse
tempo de jogo puder manter as crianças (e nós mesmos) longe de tecnologia. Muitas
vezes, os caminhos antigos são os melhores, e este é um dos casos.
3) TEMPO DE
JOGO: É muito benéfico para crianças desenvolver sua capacidade de concentração,
mas há limites que devemos saber respeitar. Para crianças pequenas, de 7-10
anos, muitas vezes uma aventura de 20-30 minutos já é o suficiente para que se
divirtam sem ficarem saturadas. Elas dando sinais de que desejam continuar, não
há problema em estender o jogo mais um pouco. No quesito de horário, não
recomendo partidas à noite, porque por mais cuidado que tenhamos, a agitação e
as situações da aventura podem gerar pesadelos.
4) LIDANDO COM A FRUSTRAÇÃO: RPG é um jogo de superação de desafios. Crianças precisam aprender que por mais que as protejamos, a vida não é fácil e que em vários momentos, ou nos esforçamos muito, ou não obteremos sucesso. Por vezes, mesmo nos esforçando, ainda podemos falhar no final. A aventura de RPG não deve ser algo “frustrante” para a criança, mas deve ensiná-la que coisas importantes requerem trabalho para serem conquistadas. Quando o pequeno grupo se deparar com desafios, sejam relacionados a combates ou não (falaremos mais sobre isso em breve), é importante que sintam que conquistaram algo importante, e juntos. E no caso de falha, é interessante dar a eles uma segunda tentativa. Um exemplo simples: O grupo de aventureiros precisa recuperar os mantimentos de uma pequena aldeia, que foram roubados por um bando de goblins. Os aventureiros podem elaborar um plano para conseguir recuperar os alimentos (furtividade, combate puro ou qualquer outra coisa que pensem com uma pequena ajuda sua). Não force a situação para que ela dê certo. Se eles tiverem uma ideia ruim (acontece muito mesmo conosco), deixe que falhem e tentem novamente uma outra abordagem. Isso será uma experiência de crescimento muito valiosa para eles, e os farão valorizar mais o sucesso da missão.
5) USANDO NOMES DOS PERSONAGENS, NÃO JOGADORES: Muitas mesas de jogadores adultos adotam a regra de que quando o mestre narra um determinado acontecimento, ele usa somente o nome dos personagens, não dos jogadores. esta é uma prática muito importante em um jogo para crianças, porque as ajuda a se "separar" de seus personagens. Se o jovem Pedro criou o guerreiro Thorim, é interessante que nós como mestres descrevamos o que acontece com Thorim, e não com Pedro. Um exemplo simples: Em uma situação de combate, Thorim está lutando contra um esqueleto. Dizer: "O esqueleto atingu o braço de Thorim, mas depois, Thorim o golpeou com sua espada e o derrotou" é melhor do que "Pedro, o esqueleto atingiu o seu braço, mas depois, você acertou um ataque nele e o derrotou". Especialmente quando lidamos com crianças, é importante separar a realidade da fantasia. Além de ajudar a criar um clima mais interessante na narrativa, utilizar nomes de personagens ajuda a criança a se desassociar de sua criação, entendendo que ambos são indivíduos diferentes.
Como os mais velhos de nós bem sabem, não existe “receita de bolo” para uma boa aventura de RPG, e muito menos para entreter crianças. No entanto, levando em consideração os cinco pontos que levantei acima, nossa chance de conseguir passar um tempo bom e útil com nossos pequenos aumenta consideravelmente.